A Natureza da política - Francis Parker Yockey



Primeiro, o que é política? Ou seja, a política como fato. Política é atividade em relação ao poder.

A política é um domínio próprio – o domínio do poder. Portanto, não é moral, não é estética, não é economia. A política é uma forma de pensar, assim como essas outras. Cada uma dessas formas de pensamento isola parte da totalidade do mundo e a reivindica para si. A moralidade distingue entre o bem e o mal, a estética entre o belo e o feio; economia entre útil e inútil (em sua última fase puramente comercial, estes são idênticos a lucrativo e não lucrativo). A forma como a política divide o mundo é entre amigos e inimigos. Isso expressa para ela o mais alto grau de conexão possível e o mais alto grau de separação possível.

O pensamento político é tão separado dessas outras formas de pensamento quanto elas são umas das outras. Pode existir sem eles, e eles sem ele. O inimigo pode ser bom, pode ser bonito, pode ser economicamente útil, os negócios com ele podem ser lucrativos – mas se sua atividade de poder convergir para a minha, ele é meu inimigo. Ele é aquele com quem os conflitos existenciais são possíveis. Mas a estética, a economia, a moralidade não se preocupam com a existência, mas apenas com as normas de atividade e pensamento dentro de uma existência assegurada.

Embora, por uma questão de fato psicológico, o inimigo seja facilmente representado como feio, injurioso e mau, isso é subsidiário da política e não destrói a independência do pensamento e da atividade política. A disjunção política, preocupada como é com a existência, é a mais profunda de todas as disjunções e, portanto, tende a buscar todo tipo de persuasão, compulsão e justificativa para levar adiante sua atividade. Até que ponto isso ocorre está em proporção direta com a pureza do pensamento político dos líderes. Quanto mais suas perspectivas contêm moral, econômica ou outras formas de pensamento, mais eles usarão a propaganda nesse sentido para promover seus objetivos políticos. Pode até acontecer que não tenham consciência de que sua atividade é política. Tudo indica que Cromwell se considerava um religioso e não um político. Uma variação foi fornecida pelo jornal francês que atiçou o espírito de guerra de seus leitores em 1870[1], com a expectativa de que o poilus[2] traria de volta da Prússia carros de mulheres loiras.

Por outro lado, a propaganda japonesa para a população local durante a Segunda Guerra Mundial, acentuou quase inteiramente a natureza existencial, isto é, puramente política da luta. Outro pode ser feio, mal e prejudicial e ainda assim não ser um inimigo; ou ele pode ser bom, bonito e útil e, ainda assim, ser um inimigo.

Amigo e inimigo são realidades concretas. Eles não são figurativos. Eles não se misturam com elementos morais, estéticos ou econômicos. Eles não descrevem uma relação privada de antipatia. A antipatia não é parte necessária da disjunção política de amigo e inimigo. O ódio é um fenômeno privado. Se os políticos inoculam suas populações com ódio contra o inimigo, é apenas para lhes dar um interesse pessoal na luta pública que de outra forma não teriam. Entre os organismos suprapessoais não há ódio, embora possa haver lutas existenciais. A disjunção amor-ódio não é política e não se cruza em nenhum ponto com a política do amigo-inimigo. Aliança não significa amor, não mais do que guerra significa ódio. O pensamento claro no âmbito da política exige desde o início um forte poder de dissociação de ideias.

A visão de mundo do liberalismo, aqui como sempre completamente emancipada da realidade, dizia que o conceito de inimigo descrevia ou um competidor econômico, ou então um oponente ideacional. Mas em economia não há inimigos, apenas concorrentes; em um mundo puramente moralizado (ou seja, um em que apenas contrastes morais existiam) não poderia haver inimigos, mas apenas oponentes ideacionais. O liberalismo, fortalecido pela longa paz única, 1871-1914, declarou que a política era atávica e o agrupamento amigo-inimigo retrógrado. É claro que isso pertence à política – um ramo da filosofia. Nesse reino, nenhuma distorção é possível; nenhum acúmulo de fatos pode provar que uma teoria está errada, pois essas teorias são supremas, a história não é o árbitro em questões de perspectiva política, a razão decide tudo e cada um decide por si o que é razoável. No entanto, trata-se apenas de fatos, e a única objeção feita aqui a tal perspectiva, em última análise, é que ela não é factual.

Inimigo, então, não significa competidor. Nem significa oponente em geral. Pelo menos descreve uma pessoa que se odeia por sentimentos de antipatia pessoal. O latim possuía duas palavras: hostis para o inimigo público, inimicus para um inimigo privado. Nossas línguas ocidentais, infelizmente, não fazem essa distinção importante. O grego, entretanto, possuía, e tinha ainda uma profunda distinção entre dois tipos de guerras: aquelas contra outros gregos e aquelas contra forasteiros da Cultura, bárbaros. Os primeiros foram “agons”[3] e apenas os últimos eram verdadeiras guerras. Um agon era originalmente uma competição por um prêmio em jogos públicos, e o oponente era o “antagonista”. Essa distinção tem valor para nós porque, em comparação com as guerras desta época, as guerras intra-europeias dos 800 anos anteriores foram agonizantes. Como a política nacionalista assumiu a ascendência dentro da Cultura Clássica, com as Guerras do Peloponeso, a distinção deixou de ser usada no grego. As guerras dos séculos XVII e XVIII na Europa Ocidental tinham a natureza de disputas por um prêmio – o prêmio sendo uma faixa de território, um trono, um título. Os participantes eram dinastias, não povos. A ideia de destruir a dinastia oposta não estava presente, e apenas em casos excepcionais havia a possibilidade de tal coisa acontecer. Inimigo no sentido político significa, portanto, inimigo público. É ilimitado e, portanto, se distingue da inimizade privada. A distinção público-privado só pode surgir quando há uma unidade suprapessoal presente. Quando existe, ela determina quem é amigo e inimigo e, portanto, nenhuma pessoa privada pode fazer tal determinação. Ele pode odiar aqueles que se opõem a ele ou que lhe são desagradáveis, ou que competem com ele, mas não pode tratá-los como inimigos no sentido ilimitado.

A falta de duas palavras para distinguir o inimigo público do privado também contribuiu para a confusão na interpretação da conhecida passagem bíblica (Mateus 5:44; Lucas 6:27) “Ama os teus inimigos”. As versões grega e latina usam as palavras que se referem a um inimigo privado. E é exatamente a isso que a passagem se refere. Obviamente, é uma adulação pôr de lado o ódio e a malícia, mas não há necessidade de odiar o inimigo público. O ódio não está contido no pensamento político. Qualquer ódio trabalhado contra o inimigo público é apolítico e sempre mostra alguma fraqueza na situação política interna. Esta passagem bíblica não induz ninguém a amar o inimigo público, e durante as guerras contra os sarracenos e turcos nenhum papa, santo ou filósofo a interpretou dessa forma. Certamente não aconselha traição por amor ao inimigo público.

II

Todo agrupamento humano apolítico de qualquer tipo, legal, social, religioso, econômico ou outro, torna-se finalmente político se cria uma oposição profunda o suficiente para colocar os homens uns contra os outros como inimigos. O Estado, como unidade política, exclui por sua natureza oposição de tipos como esses. Se, no entanto, ocorre uma disjunção na população de um Estado tão profundo e forte que os divide em amigos e inimigos, isso mostra que o Estado, pelo menos temporariamente, não existe de fato. Não é mais uma unidade política, uma vez que todas as decisões políticas não estão mais concentradas nela. Todos os Estados mantêm o monopólio da decisão política. Essa é outra maneira de dizer que eles mantêm a paz interior. Se algum grupo ou ideia se torna tão forte que pode efetuar um agrupamento amigo-inimigo, é uma unidade política; e se são geradas forças que o Estado não pode administrar pacificamente, ela desapareceu por algum tempo, pelo menos. Se o Estado deve recorrer à força, isso por si só mostra que existem duas unidades políticas, ou seja, dois Estados em vez daquele originalmente.

Isto levanta a questão da significância da política interna. Em um Estado, nós falamos de política social, política jurídica, política religiosa, política partidária e similares. Obviamente eles representam outro significado da palavra, já que elas não contêm a possibilidade de uma disjunção amigo-inimigo. Elas ocorrem em uma unidade pacífica. Elas podem apenas ser chamadas de “secundárias”. A essência do Estado é que, dentro de seu domínio, ele exclui a possibilidade de agrupamentos amigo-inimigo. Assim, conflitos que ocorrem em um Estado são por sua natureza limitados, enquanto o verdadeiro conflito político é ilimitado. Cada uma dessas limitadas lutas internas, é claro, podem se tornar o foco de uma verdadeira disjunção política, se a ideia se opondo ao Estado for forte o suficiente, e os líderes do Estado perderem sua segurança. Se isso acontecer – de novo, o Estado se foi. Um organismo pode ou seguir sua lei natural, ou ele se torna doente. Esta é a lógica orgânica e governa todos os organismos, plantas, animais, homem e Alta Cultura. Eles são ou eles mesmos, ou adoecem e morrem. Não é para eles é a visão racional e lógica que diz que tudo o que pode ser escrito convincentemente em um sistema pode ser impingido em um organismo. O pensamento racional é apenas uma das várias formas criadoras da vida orgânica, e não pode, sendo subsidiária, incluir o todo em sua contemplação. É limitado e só pode funcionar de uma certa maneira, e no material que é adaptado para tal tratamento. O organismo é o todo, entretanto, e não cede seus segredos para um método que desenvolveu a partir de sua própria habilidade adaptativa para lidar com problemas não orgânicos que tem que superar.

A política secundária muitas vezes pode distorcer a política primária. Por exemplo, a política feminina de ciúme mesquinho e ódio pessoal que foi eficaz na corte de Luís XV foi fundamental para devotar grande parte da energia política francesa à luta menos importante contra Frederico, e pouca energia política francesa à luta mais importante contra a Inglaterra no Canadá e Índia e nos mares. Frederico, o Grande, não era amado por Pompadour[4], e a França pagou um império para castigá-lo. Quando a hostilidade privada exerce tal efeito sobre o público, é apropriado falar de distorção política, e de tal política como distorcida. Quando um organismo consulta ou está sob o domínio de qualquer força fora de sua própria lei de desenvolvimento, sua vida é distorcida. A relação entre uma inimizade privada e uma política pública que ela distorce é a mesma que existe entre o pequeno estatismo europeu e a Civilização Ocidental. O jogo coletivamente suicida da política nacionalista distorceu todo o destino do Ocidente depois de 1900 em proveito das forças extraeuropeias.

III

A natureza concreta da política é mostrada por certos fatos linguísticos que aparecem em todas as linguagens ocidentais. Invariavelmente os conceitos, ideias e o vocabulário de um grupo político são polêmicos, propagandistas. Isto é verdade em toda a história superior. As palavras Estado, classe, rei, sociedade – todas tem o seu conteúdo polêmico e elas tem um significado completamente diferente para partisans do que eles têm como oponentes. Ditadura, governo de leis, proletariado, burguesia - essas palavras não têm nenhum significado além do seu significado polêmico, e ninguém sabem o que elas tentam comunicar, a não ser que quem as está usando e contra quem. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, liberdade e democracia eram usados como termos para descrever todos os membros da coalizão contra a Europa, com uma total despreocupação com semântica. A palavra “ditadura” era usada por membros da coalizão extraeuropeia não apenas para descrever a Europa, mas qualquer país que se recusasse a se juntar à coalizão.

Similarmente, a palavra “fascista” foi usada puramente como um termo de abuso, sem qualquer base descritiva, assim como a palavra “democracia” era uma palavra de louvor, mas não de descrição. Na imprensa americana, por exemplo, tanto na guerra de 1914 e na de 1939, a Rússia foi sempre descrita como “democrática”. A Casa dos Romanov e o Regime Bolchevique eram igualmente democráticos. Isso era necessário para preservar a imagem homogênea dessas guerras que a imprensa havia pintado para os leitores: a guerra é uma da democracia contra a ditadura; a Europa é ditadura, ergo, qualquer coisa lutando contra a Europa é democracia. Da mesma maneira, Maquiavel descreveu qualquer Estado que não era uma monarquia como uma República, uma definição polêmica que permanece até hoje. Para Jack Cade[5], a palavra nobreza era um termo de condenação, para aqueles que reprimiam sua rebelião, era tudo de bom. Em um tratado legal, o guerreiro da classe Karl Renner[6] descreveu o aluguel pago pelo inquilino ao senhorio como “tributo”. Da mesma forma, Ortega y Gasset chama o ressurgimento da autoridade do Estado, das ideias de ordem, hierarquia e disciplina, uma revolta das massas. E para um verdadeiro guerreiro de classe, qualquer marinha é socialmente valiosa, mas um oficial é um “parasita”.

Durante o período em que o Liberalismo reinou na Civilização Ocidental, e o Estado foi reduzido, teoricamente, para a função de um “guarda noturno”, as muitas palavras “políticas” mudaram seus significados fundamentais. Depois de ter descrito as atividades de poder do Estado, agora descreve as tentativas de indivíduos e suas organizações de garantir posições no governo como meio de subsistência, em outras palavras, a política passou a significar política partidária. Os leitores de 2050 terão dificuldade em entender essas relações, pois a era dos partidos será tão esquecida quanto a Guerra do Ópio[7] é agora.

Todos os organismos Estados foram distorcidos, adoentados, em crise, e essa introspecção era um grande sintoma disso. Supostamente a política interna era o principal.

Se a política interna era realmente o principal, isso deveria significar que agrupamentos amigo-inimigo poderiam surgir em uma questão política interna. Se isso acontecesse, no caso extremo resultaria em guerra civil, mas, a menos que ocorresse uma guerra civil, a política interna ainda era de fato secundária, limitada, privada e não pública. A própria afirmação de que a política interna era a principal era polêmica: o que se queria dizer era que deveria ser. Os liberais e guerreiros de classe, então como agora, falavam de seus desejos e esperança como fatos, quase-fatos ou fatos potenciais. O único resultado de concentrar energia em problemas internos foi enfraquecer o Estado, em suas relações com outros Estados. A lei de todo organismo permite apenas duas alternativas: ou o organismo deve ser verdadeiro consigo mesmo, ou ele adoece ou morre. A natureza, a essência, do Estado é paz interior e luta exterior. Se a paz interior é perturbada ou rompida, a luta exterior é prejudicada.

O jeito orgânico e inorgânico de pensar não são cruzados: a lógica da sala de aula, a lógica dos livros de filosofia, nos dizem que não existe razão para que o Estado, política e guerra precisem existir. Não existe razão lógica de porque a humanidade não poderia ser organizada como uma sociedade, ou como um empreendimento puramente econômico, ou como um vasto clube do livro. Mas os organismos superiores do Estado, e os organismos superiores, as Altas Culturas, não pedem permissão lógica para existir – a própria existência desse tipo de racionalismo, o homem emancipado da realidade, é apenas um sintoma de uma crise na Alta Cultura, e quando a crise passar, os racionalistas passarão junto. O fato de que os racionalistas não estão em contato com as invisíveis, orgânicas forças da história é mostrado por suas previsões de eventos. Antes de 1914, eles universalmente afirmavam que uma guerra geral europeia era impossível. Dois tipos diferentes de racionalistas deram suas duas razões diferentes. Os guerreiros de classe da Internacional disseram que o socialismo da guerra de classes internacional tornaria impossível mobilizar “os trabalhadores” de um país contra “os trabalhadores” de outro país. Outro tipo – também com seu centro de gravidade na economia, já que racionalismo e materialismo estão indissoluvelmente casados – dizia que nenhuma guerra geral era possível porque a mobilização provocaria um tal deslocamento da vida econômica dos países que o colapso ocorreria em poucas semanas.


[1]      Nota do Tradutor: Yockey está se referindo à Guerra Franco-Prussiana de 1870 a 1871.

[2]      Nota do Tradutor: Poilu é um termo informal e amigável utilizado para indicar membros da infantaria francesa da Primeira Guerra Mundial, significando, literalmente, “um peludo”. A palavra carrega o sentido de um soldado tipicamente rústico, de origem rural. Barbas e bigodes espessos eram frequentemente usados. 

[3]      Nota do Tradutor: Agon é um termo grego antigo para um conflito, luta ou competição. Pode ser uma competição de atletismo, de carros ou corridas de cavalos, ou de música ou literatura em um festival público na Grécia antiga.

[4]      Nota do Tradutor: Jeanne-Antoinette Poisson, Marquesa de Pompadour (1721-1764), mais conhecida como Madame de Pompadour, foi uma cortesã francesa e amante do Rei Luís XV da França, considerada uma das figuras francesas mais emblemáticas do século XVIII.

[5]      Nota do Tradutor: Jack Cade foi um líder de uma revolta popular na rebelião de 1540 em Kent durante o reinado do Rei Henrique VI na Inglaterra. Em resposta às queixas, Cade liderou um exército de até 5000 contra Londres, fazendo com que o Rei fugisse para Warwickshire. Depois de tomar e saquear Londres, os rebeldes foram derrotados em uma batalha na Ponte de Londres e se dispersaram. Perdões e reformas prometidos, muitos dos rebeldes foram declarados traidores, e Cade foi morto em uma pequena escaramuça em 12 de julho de 1450.

[6]      Nota do Tradutor: Karl Renner (1870-1950) foi um político austríaco.

[7]      Nota do Tradutor: As Guerras do Ópio, divididas entre a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842) e a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860), onde o auge das disputas sobre o comércio e as relações diplomáticas entre a China sob a Dinastia Qing e o Império Britânico. Elas terminaram com a vitória das potências ocidentais, resultando no Tratado de Nanking e nos Tratados de Tientsin.


Jean Felipe Lemes Becker

Tradutor, livre pensador, estudante de filosofia

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